O prazer de
ler é, como alguém já disse, fenômeno parecido como ser inoculado por um vírus.
A partir do momento em que isso acontece, não há mais volta. Nunca mais, pelo
resto de nossas vidas, conseguiremos ficar sem um livro por perto. Há uma
crônica de Luís Fernando Veríssimo em que ele menciona a superioridade do livro
sobre a TV. O livro não tem comerciais, não há disputas do controle remoto com
os demais familiares. E de madrugada, quando o livro está ficando bom, não
somos interrompidos, como acontece na TV, por filmes apresentados dezenas de
vezes.
Quando se pensa na educação para
todos, o princípio inclui a alfabetização e o consequente hábito da leitura
como meio mais adequado para a socialização do saber e a formação da cidadania.
O ato de ler uma simples bula de remédio ou um jornal é um poderoso exercício
mental. O importante é contrastar esse estilo de leitura com aquele do livro,
pois este tem qualidades sagradas e reverentes tendo suas raízes no “codex”
adotado inicialmente pelas comunidades cristãs ligadas à Bíblia. A leitura é um
tema que aparece na obra de Rousseau, quando nas primeiras passagens de
“Confissões” ele comenta: “não sei como aprendi a ler; lembro-me apenas de
minhas primeiras leituras e dos seus efeitos sobre mim: é a partir deste
momento que dato, sem interrupção, minha consciência de mim mesmo”.
Ler toma
tempo e tem o poder de nos levar para longe do momento presente. Ele transmite
informações para nossas faculdades internas, que nem sempre são processadas com
facilidade em nosssa rotina diária, mas nos faz pensar e sempre foi alvo para
os que nos querem mais produtivos. Frequentemente se diz que, durante a vida,
uma pessoa só pode ler cerca de 5 mil livros. É um número pequeno, tendo em
vista a assombrosa quantidade que está disponível para nós. Essa limitação pode
levar alguns leitores a acelerarem seu ritmo de leitura para aumentar o número
de livros lidos. Com a correria da vida moderna, a pessoa mal tem tempo para
esse prazer. O importante é tornar nosso trabalho mais devagar a fim de que
possamos aumentar nosso desempenho geral e melhorar nossas habilidades de ler e
escrever.
Uma pesquisa recente publicada na
Universidade de Harvard mostrou que há uma crise mundial da leitura, resultante
da pressão para sermos mais produtivos. As crianças estão aprendendo a ler mais
rápido, saltando a fonética e diagramando frases. Com certeza não lerão os
clássicos quando crescerem. A verdade é que o ato de ler estabelece uma relação
íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as
palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz
inalando o cheiro familiar do papel e o tato acariciando a página áspera ou
suave.
Por outro lado, não nos esqueçamos
da importância da releitura. No início de minha atividade docente, época em que
dava muitas aulas, mal tinha tempo para ler, tamanho era o sacrifício de
preparar aula e corrigir prova. Ao me aposentar, tendo mais tempo, passei a
reler alguns livros mal lidos. Hoje, sou adepto do “slow reading”. Ler devagar
não significa necessariamente consumir menos palavras por minuto. Ao contrário.
Descobrimos novos detalhes, nuances, ironias e suspense. O escritor espanhol
Camilo José Cela, considerado o mais importante do neo-realismo de sua terra,
sempre dizia que a época mais feliz de sua vida era aquela dedicada à releitura
dos clássicos. A verdade é que esta prática proporciona um prazer inigualável,
inspirador de maturidade e sem arrependimentos. Ao fazermos uma releitura, não
constatamos o suspense da primeira leitura, obviamente, contudo, nos sentimos
revigorados e felizes. É como ver filmes e ouvir música mais de uma vez.
Reconheçamos, a vida é curta. Vamos aproveitá-la, sentar-nos confortavelmente
com o nosso amigo, que nunca se queixa, é um prazer eterno e insubistituível.
Duílio Battistoni Filho é historiador e
membro da Academia Campinense de Letras
e do Instituto Histórico, Geográfico e
Genealógico de Campinas.
Correio Popular, edição de 19/05/2013
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