quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Profissão - A escolha



          A todo o momento, todos os dias de nossa vida, em face de circunstâncias, imposições, questionamentos, somos induzidos a escolher caminhos por cujas consequências e responsabilidades responderemos. Escolhas, nós as fazemos quotidianamente, desde as mais simplistas, como o nome de um filho, a opção por um candidato, até as mais sutis, de caráter intimista, existencial e metafísico. Descobrir a profissão é um dos grandes desafios do cidadão que busca o aprimoramento e a realização pessoal. Para isto, tanto a vida como o destino podem pregar-lhe uma série de armadilhas.
          Não precisa ser expert para indicar uma trajetória óbvia para o sucesso: estudar! O estudo ainda é o mágico itinerário que abre portas e limites para o triunfo. Sem dúvida, os bancos escolares nivelam as realidades mais heterogêneas e díspares. O conhecimento acadêmico enseja oportunidades e mercados, a despeito da excessiva disputa e concorrência.
          Não procede, porém, o argumento de que o estudo não seja essencial, citando o exemplo um ex-presidente da República. Isto é um engodo. Não vamos aqui valorizar, superestimar a exceção, que esta é obra do acaso. Deixemo-la de lado por ser um desestímulo aos que creditam o sucesso à força de vontade, abnegação e muito trabalho.
          Hoje, com as divisões, subdivisões e rumos da tecnologia, com profissões muito parecidas umas com as outras, com detalhes e peculiaridades, há um labirinto diante dos que buscam uma alternativa profissional. Às vezes, o cidadão, depois de voltas e reviravoltas, depara-se com um dilema nada fácil de digerir e gerenciar. Constata que, após anos de estudos, investindo as parcas economias de seus pais, varando madrugadas, preparando-se para pesquisar o melhor trabalho, para realizar a melhor prova, eis que chega à desoladora conclusão de que, na verdade, não era a carreira almejada. Há um choque e um conflito interior!
          Mas, perseverante, continua. Pacientemente recomeça seu calvário o que não garante que vá realizar seus verdadeiros propósitos e sonhos. E lá se foram horas, dias, estações de de angústia, exaurindo suas forças em prol da grande conquista que malograda, nunca chega. Há mesmo pessoas que gastam a vida perseguindo afinidades. E morrem sem jamais conseguir o intento. Muito triste!
          Há fatores que desestimulam o entusiasmo pela opção profissional, mormente num mundo capitalista e de disputas acirradas. Às profissões nem sempre lhes é dado o devido valor. Um flanelinha, v.g. (sem qualquer referência pejorativa), pode auferir uma renda superior à de um universitário, apenas por um simples: “vou dar uma olhadinha no seu carro, doutor!...”.
          Diante do quadro, ou você concorda, ou segue seu trajeto com a pulga atrás da orelha, pois não sabe o que pode acontecer com seu carro. Um simples risco na lataria lhe causará sérios danos em seu patrimônio. Refém de um fato inevitável você faz a primeira opção e segue seu roteiro tranquilamente. Em retornando, tira do bolso dois ou cinco reais e, pronto. O crime compensou!
          Nada mal para quem não investiu um centavo em sua formação, vive na informalidade, sequer paga impostos, ou seja, consegue uma economia razoável capaz de gerir sua vida, criar seus filhos e sobreviver... Na relação custo/benefício há um total desestímulo para quem passou o tempo mergulhado em pesquisas e folheando livros.
          Então, pergunto, qual o prêmio, para quem frequenta uma faculdade, faz estágios, mestrado, doutorado, se atualiza, se recicla, não para de estudar, e ostenta uma galeria de belos diplomas e molduras? De que vale tal sacrifício que sequer assegura um salário confortável para sobrevivier com dignidade? É apenas uma reflexão...
          Somos um país de privilégios, imediatismos e contradições. Impotentes, diante de algo que foge ao nosso controle, cedemos, acomodamo-nos e tocamos a vida. Com o tempo, aceitamos que “isto é cultural”, eufemismo para encobrir situações esdrúxulas, contrastes gritantes de uma cultura que privilegia o jeitinho ao invés de valorizar competência e méritos adquiridos.

Luno Volpato, escritor, poeta, membro da Academia Campinense de Letras e mestre em Língua Portuguesa. Publicado no Correio Popular, edição de 14/10/2012.

domingo, 12 de agosto de 2012

A formação de nossos jovens

 

Uma volta atrás

Por que o Brasil não salta a barreira do blá-blá-blá e engrena uma política vencedora de esporte na escola

12 de agosto de 2012
CHRISTIAN CARVALHO CRUZ - O Estado de S.Paulo

Joaquim Carvalho Cruz (sim, só uma coincidência) tinha 21 anos quando, vestindo azul, carregou sua magreza e seu semblante de esforço ao até hoje único ouro olímpico do Brasil em provas de pista no atletismo. Correu a final dos 800 metros rasos dos Jogos de Los Angeles, em 1984, em 1 minuto e 43 segundos, recorde olímpico na ocasião. Lá se vão quase 30 anos. E tanta coisa mudou de lá para cá. A União Soviética, que boicotou aquela Olimpíada, desapareceu. A China ficou só em quarto. O próprio Joaquim, que continua magro, modesto e tímido, já não tem aquela cabeleira toda, ganhou uns fios grisalhos e agora fala com leve sotaque americano - reflexo dos 30 anos nos Estados Unidos, onde estudou, casou, cria seus dois filhos adolescentes, trabalha num centro médico da Marinha americana procurando talentos esportivos entre militares feridos de guerra, treina atletas olímpicos e paraolímpicos do país e, finalmente, onde pensa em maneiras de mudar o Brasil por meio do esporte.


Pupilas. Joaquim Cruz com a americana Alice Schmidt e a saudita Sara Attar, em Londres.

"É incrível que nesses 30 anos quase nada tenha mudado estruturalmente nessa área. Será que nossos dirigentes e políticos ainda não enxergaram que a solução para nossos problemas está no esporte na escola?", ele pergunta retoricamente, porque sabe bem a resposta. "É na escola que formaremos uma base grande da qual será possível tirar muitos campeões." De outro modo, ele lamenta, continuaremos a suspirar por esporádicos heróis como o ginasta Arthur Zanetti, ouro nas argolas em Londres, e os irmãos Falcão do boxe, que treinavam humildemente socando humildes bananeiras num humilde quintal. "A falta de oportunidades para o garoto brasileiro que queira ser esportista me assusta."

Mas Joaquim não fala apenas. Ele também age. Em Brasília, onde mantém um instituto que leva seu nome, acaba de iniciar um processo seletivo para descobrir e formar fundistas capazes de medalhar na Olimpíada de 2020. O Programa Rumo ao Pódio, patrocinado pela multinacional do ramo de embalagens Tetra Pak com R$ 1,4 milhão, recebeu 1.400 inscritos. Depois de uma fina peneira inspirada no modelo de seleção dos Seals americanos, sobrarão 30 jovens de 16 a 20 anos.

Na quinta-feira, Joaquim estava no Estádio Olímpico de Londres quando falou ao Aliás por telefone. Entre uma resposta e outra, dirigia palavras de conforto à corredora americana Alice Schmidt, sua pupila, desclassificada na semifinal dos 800 metros. Ele contou como foi, desta vez nos bastidores, fazer história de novo nos Jogos. Joaquim também era o técnico da atleta saudita Sarah Attar, de 19 anos, que de calça, mangas compridas e lenço na cabeça, foi ovacionada pela plateia mesmo terminado sua prova em último lugar. Pela primeira vez o comitê olímpico saudita permitiu a participação de mulheres nos Jogos. E se até isso mudou...

O que te vem à cabeça quando dirigentes esportivos e políticos dizem que nós seremos top 10 nos Jogos do Rio em 2016?

Bom, essa é a especialidade deles, não é? Falar. Falar qualquer coisa. Mas tudo bem. Falar de objetivos altos não é ruim. Só que já se passaram dois anos desde que o Brasil foi escolhido para sediar a Olimpíada e nada foi feito para mudar o que interessa, o que realmente será capaz de construir uma realidade nova no País, que é o esporte na escola. Será que não enxergam que esse é nosso maior problema? Eu li que dias atrás, aqui em Londres, autoridades brasileiras iniciaram oficialmente a contagem regressiva para os Jogos do Rio. Com relógio e tudo. Só agora?! Essa contagem tinha que ter começado dois anos atrás. Se seis anos já seriam insuficientes para formar um atleta ou mudar a estrutura esportiva do Brasil, quatro anos então... Temos que mexer nesse cenário ONTEM. Os políticos e dirigentes fazem muita política e pouca ação. A hora de falar já passou. Agora é hora de agir.

O dinheiro aumentou. Fala-se em R$ 2 bilhões investidos nos últimos quatro anos. Seria o dobro do ciclo olímpico anterior.

Sim, é verdade. Cresceu o apoio às confederações e ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que são os responsáveis pela tarefa de possibilitar que os atletas ganhem medalhas. Mas tem um detalhe. Nós não temos esses atletas em quantidade. Temos uns poucos. Sabe por quê? Porque a base de onde se extraem possíveis medalhistas olímpicos é minúscula. Tirando o futebol, o Brasil não é uma mina que jorra atletas de alto desempenho. A falta dessa base é nossa maior deficiência. E a base precisa ser feita na escola. É o caminho mais fácil e promissor, para o esporte e para o País. Nos últimos seis anos, saiu ministro de Esporte, entrou ministro de Esporte. Saiu presidente da República, entrou presidente da República. E mudou o quê? Mas algo ainda pode ser feito.

O quê? De que maneira?

Para o Rio 2016 podemos copiar o exemplo britânico. Eles chamaram um holandês que mandou todo mundo embora e convidou um monte de gente comprovadamente boa, experts, muitos ex-esportistas do mundo todo, para trabalhar basicamente com os atletas já existentes e com potencial. Por meio das loterias, aumentaram os repasses de dinheiro e investiram pesado individualmente nesses atletas. O resultado está aí: a Grã-Bretanha deve terminar em terceiro lugar no quadro de medalhas, sua melhor participação na história da Olimpíada.

Mas esse método não mascara nossa grande deficiência, que é justamente a inexistência de um programa esportivo duradouro e que nos faça crescer como nação? As medalhas olímpicas devem ser o objetivo em si ou a consequência de um trabalho maior?

Você tem razão. A Olimpíada não vai acabar em 2016. E acho que o Brasil também não. Então, não precisamos pensar tão pragmaticamente só para daqui a quatro anos. O correto é aproveitar a grande oportunidade que temos para implantar esse programa mais duradouro junto com a educação, algo de que toda a população vai se beneficiar. Porque está mais do que provado que a prática de esportes melhora as notas dos alunos, afasta os jovens das drogas, da criminalidade, dá oportunidade e por aí vai. Por outro lado, ter a medalha olímpica como objetivo não é ruim. O atleta, o garoto, precisa acreditar que é possível. Parece pouco, mas te asseguro que significa um passo enorme.

Imagino que essa segurança vem da sua própria história...

Sim, da minha vida no esporte. Quando eu tinha 15 anos um americano me deu um par de tênis All Star - eu jogava basquete - e disse que quando eu terminasse a escola em Taguatinga ele me daria uma bolsa para estudar e jogar numa universidade americana. Eu ia duvidar? De jeito nenhum! Eu pensava: "Puxa, se esse cara que nem é meu parente, meu amigo ou meu vizinho vem de outro país e acredita desse jeito em mim, eu devo ser especial... Vou nessa!" Foi assim que me tornei medalhista olímpico, seis anos depois. Então, nós temos que plantar a semente da vitória. A vitória pode ser a medalha olímpica. Mas também é a jornada do garoto atrás dessa medalha. Veja uma coisa. Hoje (quinta-feira) a minha atleta, Alice Schmidt, que eu treinei por sete anos, não se classificou para a final dos 800 metros. Ela deixou a pista chorando, eu a deixei chorar um tempo e então fui conversar. Ela já está no final da carreira, portanto era praticamente a última chance dela em Olimpíada. Perguntei se, apesar do resultado ruim em Londres, ela tinha aprendido algo na trajetória esportiva dela. "Muita coisa, aprendi a viver", ela me respondeu. É isso! A medalha representa o sacrifício, o esforço, é um símbolo importante. Mas, se ela não vem, a jornada tem que ter servido para aprendizados e sentimentos maiores, coisas que você vai carregar pelo resto da vida.

Além da Alice havia outra corredora treinada por você nos 800 metros, a Sarah Attar. Ela chegou em último lugar na eliminatória, 45 segundos atrás da primeira colocada, mas fez história por ser a primeira mulher saudita a disputar uma prova de atletismo nos Jogos. Que tal a experiência?

A Sarah realizou o sonho de muitas mulheres e meninas. Ela permitiu que as novas gerações sonhem. Conheci a Sarah apenas seis semanas atrás, e tenho orgulho dela como se fosse minha filha. Ela é originalmente corredora de maratona. Nasceu nos Estados Unidos e tem dupla cidadania, porque a mãe é americana e o pai, saudita. Treina e estuda em uma universidade da Califórnia. O pai me ligou, explicou a situação. Ela tinha sido convidada pelo COI, não disputou seletiva. Eu topei e pensei: "Meu Deus, preciso montar um programa de trabalho para que essa menina termine a prova sem se machucar". Porque mudar da maratona para os 800 metros não é pouca coisa. Seria o mesmo que pedir pro Usain Bolt correr os 10 mil metros. No fim, foi uma experiência muito legal. A Sarah é supercompetitiva. Estava preocupada, não queria fazer feio. Ficava na internet investigando sobre a pior marca dos 800 metros na história dos Jogos. Aí falei para ela: "Para com isso, Sarah. Você já é uma vencedora olímpica antes de entrar na pista. Quanto mais tempo você levar, melhor para o mundo! Não esquenta com o tempo". Ela curtiu estar ali. Depois da prova veio me dizer que não tinha sentido o próprio corpo durante toda a corrida. Estava consumida pela energia da plateia.

Voltando às ambições brasileiras: como é que se forja uma potência olímpica?

Certamente não é em quatro anos. Tem que dar oportunidade para o garoto praticar esporte na escola, na comunidade dele, e dali você tira os fora de série capazes de competir em alto nível. Qual é nossa realidade hoje? Trinta por cento das escolas públicas brasileiras não têm espaço adequado à prática esportiva. Não estou falando de quadras poliesportivas. Não existe espaço nenhum, nada. São dados de uma pesquisa encomendada pela organização Atletas Pela Cidadania, da qual faço parte junto com Raí, Ana Moser, Magic Paula e uma porção de atletas preocupados com o futuro do País. Hoje acontece o seguinte: o garoto pobre brasileiro vê os grandes heróis olímpicos pela TV, se empolga e sente vontade de imitá-los. Quer correr, nadar, jogar tênis, saltar. Ok, ótimo! Mas onde ele vai praticar? Em clubes? Esquece, a família dele não tem dinheiro para pagar a mensalidade. Quando eu ganhei a medalha de ouro em Los Angeles, meu irmão e meu primo ficaram tão entusiasmados que decidiram correr também. Começaram a correr na rua mesmo, sozinhos, sem instrução, já que não tinha outro jeito. Durou dois dias o entusiasmo deles. E talvez nós tenhamos perdido duas medalhas olímpicas, vai saber... Isso faz quase 30 anos e continua do mesmo jeito. O poder público não pode sonegar essa oportunidade ao garoto. Tem o dever de proporcionar a chance de ele manter o entusiasmo, a chama. E é a escola pública que pode fazer isso, não o clube. Do clube saem os atletas cujas famílias podem bancar o início da jornada dele.

Um modelo perverso que faz o Brasil viver de heróis olímpicos esporádicos, não? Seu caso é uma exceção.

Mais ou menos. Eu tive sorte. Como meu pai era carpinteiro, trabalhava na indústria de construção civil, eu podia frequentar o Sesi (Serviço Social da Indústria) de Taguatinga. Meus amigos da escola ou do bairro não podiam, pois precisava de carteirinha para entrar. Então, aos 7 anos eu fui estudar num local que oferecia também boa estrutura para a prática de esporte. Ali encontrei meu primeiro professor de basquete, que depois descobriu meu talento para o atletismo. Era um lugar onde eu passava a maior parte do meu tempo. No Sesi fui apresentado a educação física, tratamento médico, alimentação correta, vi um dentista pela primeira vez na vida, tomava remédio para matar os bichos da barriga. O Joaquim Cruz campeão olímpico vem daí. Mas e os meus amigos e vizinhos que só tinham a rua?

Por onde você começaria a mudança?

Insisto: na escola. Nos meus tempos de ginásio, nós íamos para a escola de manhã e voltávamos lá à tarde para as aulas de educação física. Hoje a educação física está dentro da grade escolar, antes da aula de matemática e depois da de história. Ou seja, o garoto que é bom em algum esporte, joga um basquetinho ralado na rua dele, não vai poder desenvolver essa aptidão na escola, onde poderia dar a sorte de ter um professor capaz de identificar nele algum potencial. Ao contrário, ele vai ter só os 50 minutos de aula, insuficientes para desenvolver algo consistente ou mostrar seu talento. E assim, o garoto que gosta de jogar na rua continua na rua. Aí ele chega à adolescência, fase da vida em que a gente se junta, faz grupos, turminhas, e em vez de se juntar a um grupo de estudantes atletas como ele, com possibilidade de construir uma vida melhor, ele se junta a grupos destrutivos. Bem, eu acho que o Brasil conhece bem essa história...

Como funciona nos Estados Unidos?

Vou contar a minha experiência para você sentir a diferença. Eu tenho dois filhos, de 18 e 15 anos. Quando o mais velho tinha 4, minha mulher me pediu que eu o colocasse no esporte. "Ok, vou matriculá-lo no futebol." Saí da minha casa, andei mil metros até o centro comunitário do bairro e inscrevi meu garoto nas aulas de futebol. Ali mesmo, no ato da inscrição, me perguntaram se eu gostaria de ser professor voluntário da turma do meu filho. Eu disse que não, pois não tinha experiência. Eu nunca tinha tido um filho! Depois assumi uma turma de basquete. Mas na primeira reunião com as famílias outro pai se prontificou a ficar com as aulas. Ele recebeu as instruções necessárias e foi credenciado pela prefeitura para ser treinador. Como nessa fase é algo bem básico, mais a título de diversão, tudo bem que não seja um especialista. E tudo isso sem custo, muito perto de casa, bem organizado e com boas instalações. O centro comunitário tem ginásio, piscina, quadra de tênis, campo gramado. Sem luxo, mas com o necessário. Cada bairro tem o seu, a 3 ou 4 quilômetros um do outro. O esporte está injetado na cultura americana - e começa quase sempre nesses centros comunitários oferecidos pela prefeitura.

E depois?

Na sequência vem a escola. No primeiro grau o garoto é apresentado a diferentes modalidades, ainda sem competição. No ensino médio ele pode participar de esportes competitivos e escolher: ou faz as aulas de educação física, que são obrigatórias, ou entra para uma equipe que vai competir com outras escolas do bairro, da cidade, do Estado, do país. O poder público dá dinheiro para as escolas manterem essas equipes. Elas são muito tradicionais. E tudo faz parte de um grande sistema gerenciado por uma espécie de federação estadual, sem fins lucrativos, que organiza as competições. Essa federação então trabalha em conjunto com as universidades, que vão recrutar os melhores para serem seus esportistas estudantes. A base, portanto, é muito grande. Encontrar atletas com potencial para o alto rendimento não é procurar agulha no palheiro como no Brasil. Desse sistema americano saem todos os grandes esportistas do país.

Por que é tão difícil estruturar um sistema assim no Brasil?

Porque nossos políticos conversam demais, e só entre eles. Os Atletas pela Cidadania têm um plano pronto, com diversas propostas de ação, entre elas a de que o País invista para levar esporte a todas, TODAS as escolas públicas até 2022. Há quase um ano nós pedimos uma audiência com a presidente Dilma para apresentar esse plano. Estamos esperando.

E por que você insiste, Joaquim? Por que se importa? Por que luta contra uma estrutura que está aí há pelo menos 500 anos?

(Depois de longo silêncio, emocionado) Olha, o meu trabalho como gente, como ser humano, não acabou ainda. Eu nasci com um objetivo. E se isso não for levado para a frente, todo o sacrifício, os treinamentos, as dores, as cirurgias terão sido em vão. (Silêncio de novo.) Existe algo maior do que tudo isso, sabe? Eu acredito que toda criança nasce uma estrela e tem o direito de brilhar. E nós adultos temos a responsabilidade de oferecer oportunidades de ela brilhar. Acho que é isso.

Fonte: estadao.com.br - acesso em 12/08/2012






domingo, 17 de junho de 2012

Degraus de ilusão


Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma “nova classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina. Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos decentes.

            Porém, o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde, comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos pedem para consumir, somos convodados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas péssimas estradas. Além disso, a inadimplência cresce de maneria preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.

            Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda mais, de maneria impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem, esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas medidas para que  esse consumo insensato continue crescendo – e, como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.

            Sou de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos; para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida com dignidade.

            Tais ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados.

            Somos uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em “aproveitar a vida”, seja o que isso for, e em adquirir mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais eficientes, saúde excelente, e verdaderiro crescimento do país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.

            A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa prioridade. Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gasto e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do que em itens desnecessários em tempo de crise. Isso não é subir de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e antiquado) protesto.

Lya Luft. Revista Veja, ed. 2272, 6 de junho de 2012, pg. 30. Escritora e tradutora literária, escreveu muitos livros de sucesso entre romances, poesias, ensaios e histórias para crianças.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Os valores humanos são insubstituíveis

Muito se fala que estamos vivendo na era da tecnologia. O marketing se utilizando de artifícios os mais diversos para tornar as novidades eletrônicas, que surgem em ritmo veloz, atraentes ao usuário.

Uma das ferramentas é envolver as novidades com um glamour característico daquela situação onde quem primeiro possui e utiliza o recurso (mais) moderno, está "por cima"!

Entretanto, existe risco quando esses aparelhos interferem nos valores humanos. Sabemos, por exemplo, que a televisão é fator de isolamento entre as pessoas. Cada família em sua casa, restringindo o antigo hábito de se reunir e conversar com os amigos ao final do dia. Pessoas muitas vezes distantes entre si, dentro da própria casa. O computador também contribui nesse sentido. Uma das consequências é estimular o comportamento individualista.

Não se trata de crítica à modernidade. Muitos de seus efeitos são bons e inquestionáveis. Trata-se, apenas, de cuidar para não se perca a vigilância sobre possíveis excessos, esses sim, prejudiciais aos insubstituíveis valores humanos.

Sobre o tema, veja a seguir o que narrou o médico Tadeu Fernando Fernandes, presidente da Sociedade de Pediatria de Campinas, em recente artigo publicado pelo Correio Popular, edição do dia 6 p.p.

VOZ DO ALÉM

A Pediatria é uma especialidade médica onde o relacionamento do médico com o paciente envolve uma tríplice, às vezes penta ou hexa aliança com pai, mãe, avós, babás e demais cuidadores da criança.

Muitas vezes o diagnóstico não sai do exame clínico ou laboratorial, um olhar, uma palavra, um gesto muitas vezes vale mais que um caminhão de exames.

O atendimento médico como mandam as regras da boa consulta impõe um atendimento humanizado, marcado pelo bom relacionamento pessoal, dedicação, atenção e tempo ao paciente.

Abuso dessa longa introdução, para apresentar ao leitor um caso onde toda essa teoria vira lixo.

Chamo à sala o Gustavo, paciente que acompanho desde o nascimento, hoje com três anos de idade. Aguardo sentado, lendo o histórico do garoto na ficha clínica e nada de entrar o paciente, vou até a porta e vejo no fim do corredor o pai vindo a lentos passos olhando para a tela de um moderno iPad.

E olha que não faltam cartazes educados e polidos lembrando que "ao entrar no consultório desligue o celular", "ele pode atrapalhar a consulta", etc, etc, etc. Besteira! Estou pensando em trocar os cartazes por quadros com pinturas de natureza morta...

Quando finalmente estamos posicionados para iniciar a entrevista com as tradicionais perguntas sobre alimentação, vacinação e demais problemas, escuto uma voz, uma voz feminina, em uma sala onde estavam eu, o pai e o garoto, de onde viria aquela voz?

Do além?

Não do maldito iPad!

O pai do garoto logo explicou:

- Doutor, eu trouxe o Gustavo para consulta, mas não sei responder essas perguntas, "eu sou somente o pai", a mãe é que sabe esses "detalhes", hoje ela tinha uma reunião importante na empresa e não pode vir, mas ela está aqui! Disse apontando para a tela da engenhoca e imediatamente virando-a em minha direção

Lá estava ela, a mãe, ao vivo, em cores, alta definição e com som!

O pai, expert em informática, explicou que estava usando um novo aplicativo "Skype para iPad", que oferece aos usuários o melhor dos dois mundos das chamadas com vídeo: a tela estendida e o display de um computador pessoal, mas com a mobilidade de um telefone celular.

Eu tive um súbito branco cerebral, fiquei olhando para dona Maria na tela do computador, o pai risonho olhando para o meu espanto e o Gustavinho trepado em cima da maca, brincando de pular, cena insólita!

Ela começou a contar que ele não comia nada, nada, nada, estava muito arteiro e à noite não dorme direito, "quer ficar na cama dos pais", a tia da escolinha, que ele frequenta em período integral, está reclamando da agressividade e blá, blá, blá... Como se estivesse ali na minha frente... Aliás, hoje existe uma nova geração de mães, as virtuais, que acompanham tudo do filho pelo Skype, e-mail, vídeos, fotos e pelas câmeras "Big Brother" que todas escolinhas tem como diferencial de marketing e segurança contra acusações inverídicas.

Enfim, eu tive um repente de retardo mental e comecei a interagir com a telinha de nove polegadas, peguntei do cocô, do xixi, etc, e a mãe naturalmente foi respondendo às questões, e o suporte de vídeo, digo, pai, segurando a telinha em minha frente.

Fui examinar a criança e ela (a tela) ficou lá em cima da mesa; palpa, ausculta, otoscopia, etc, e de vez em quando a voz do além perguntava:

- Tudo bem aí doutor? Fale alguma coisa... Por que estão todos quietos?

Finalmente concluímos que o Gustavo estava fisicamente muito bem, psicologicamente não tenho comentários a fazer.

Fiz a receita, pedi os exames que insistentemente a voz do além   solicitava e me despedi do pai com um aperto de mão, do Gustavo dando um palitinho colorido com sabor e da mãe... Xau, t+, vlw, fla kbça.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Senhor de seu próprio destino!

          No mundo tridimensional em que vivemos, o tempo é medida fundamental e serve de parâmetro para os atos e acontecimentos de nossa vida. Equivocadamente, o tempo não passa, nós é que passamos, e ao passar, deixamos as marcas e o estilo que imprimimos a nossa trajetória. Quer queiramos ou não, ninguém escapa às garras do tempo.

          O tempo simplesmente é. Não interfere, mas nos vigia de perto, acompanha nossos passos, espreita nossas iniciativas, aplaude nossas conquistas, reprova nossos equívocos e lamenta nossa inconsciência. Paciente, espera que descubramos os segredos e as entrelinhas da vida, nos vaivéns das ondas, nas auroras e crepúsculos, nos fracassos e conquistas, na grandeza e mesquinhez de nossos atos. É nosso aliado e escancara um leque de possibilidades para nossa autorrealização.

          Diz-se que o tempo, antigamente, passava mais lentamente. Ledo engano! Nós é que mudamos nossos hábitos, nossa agenda... A loucura dos tempos modernos não nos permite fazer tudo em 24 horas e culpamos o tempo. O tempo é parceiro dos que o valorizam.

          Se o tempo é implacável, aproveitemo-lo da melhor maneira. Se você resolver fazer uma faculdade, faça-a. Daqui a cinco anos o tempo terá passado e você, adquirido novas credenciais para sua vida. Quando não, será uma pessoa mais bem informada, consciente do que está acontecendo a sua volta e pertencente ao significativo círculo de pessoas com nível superior. Caso contrário, os cinco anos passarão inevitavelmente e você exclamará: "Ah! Eu poderia ter feito!" Isto no campo material.

          No plano existencial também há mil caminhos. A vida, via de regra, oferece chances em abundância. Busque um caminho, preencha seu espaço, invista em suas potencialidades e realização pessoal, teste seus limites, valorize seu esforço, priorize sua vontade. Dê chances à sua imaginação e capacidade de superação. Encontre-se consigo mesmo, sem dúvida, a grande descoberta da vida. Valorize seu impulso interior. A consciência não tergiversa, não se equivoca e não se deixa influenciar. É voz pura e sinal luminoso para anseios e promessas.

          Ainda outro dia fiz essas considerações para uma aluna no final do Ensino Médio. Ela teimava em desistir de estudar e ponderei que valeria a pena continuar e priorizar seu destino, mas caberia a ela a decisão. E o tempo correu. Acabo de receber o convite de sua formatura. É uma nova profissional na área da psicologia. Exemplos não faltam. O tempo espera, o acaso espera, mas a decisão é exclusivamente sua. E intransferível!

          Podemos recomeçar sempre, e isto é um quadro estimulante para aqueles que, numa quadra da vida, frustraram as próprias expectativas. Mas nem sempre o recomeço se reveste dos mesmos pressupostos, ou seja, o fato de você recomeçar aos 20 anos, ou aos 50, implica análises diversas, pois a rigor, os horizontes se ampliam para os primeiros e se reduzem para os últimos. No entanto, como o futuro é incerto poderá ser generoso para os de 50 e limitar-se para os de 20. Na dúvida, recomece! O tempo pode conspirar a seu favor e resgatar as chances perdidas.

          Sendo o tempo inexorável, alie-se a ele, tenha-o como parceiro e desta combinação advirão grandes conquistas. Mas não permita que a indiferença faça pouso em sua alma e arrefeça seus ideais. Pense alto e mesmo em face de uma queda tenha os olhos voltados para horizontes coloridos e cortinas de luz. Viva como se cada momento fosse o último, mas imagine-se um imortal, porque é isto que você é, membro da imortalidade. Somente da matéria não restará pedra sobre pedra! Mas a chispa divina que está em tudo que foi criado, esta sobreviverá aos ventos e tempestades, às tribulações e vicissitudes.

          Associe-se ao tempo, tome-o pelas mãos e construa uma identidade que o torne senhor de seu destino. Não perca a chance de escrever sua própria estória com páginas de exaltação à vida, privilégio raro para que possamos nos realizar, construir caminhos memoráveis e jornadas inesquecíveis.

Luno  Volpato é escritor, poeta, membro da Academia
 Campineira de Letras e  mestre em Língua Portuguesa.
Publicado no "Correio Popular" em 29/01/2012